quarta-feira, 8 de julho de 2015

SALVEM O RIO CACHOEIRA!

O Rio Cachoeira pede socorro, e já faz muito tempo! A urbanização em Itabuna-BA intensificou os problemas ambientais relacionados a degradação, juntamente com os dejetos industriais, além da destruição da Mata ciliar que assoreia o rio.
A cidade de Itabuna-BA sofre com o precário abastecimento de água atualmente, entretanto, esse cartão postal e de grande relevância para região, não consegue efetivar as políticas públicas para reduzir os impactos no mesmo.
Os Alunos do Colégio Sistema Abraçaram essa causa e fizeram uma paródia para lembrar a população e os governantes que ainda é um rio muito importante e que necessita de ajuda.

Salvem o Rio Cachoeira!

domingo, 8 de fevereiro de 2015

TRANSPORTE PÚBLICO GRATUITO? A CIDADE DE MARICÁ-RJ DISSE SIM!

De Maricá (RJ)
A catraca, símbolo maior da cobrança de tarifa no transporte público brasileiro, continua lá para registrar o número de passageiros. Mas a cadeira do cobrador agora está vazia. Ninguém precisa pagar mais. É assim desde 18 de dezembro do ano passado em Maricá, município fluminense na Região dos Lagos. Há pouco mais de um mês, a prefeitura local fundou a Empresa Pública de Transportes (EPT) e instituiu o passe livre para todos. O objetivo, o prefeito Washington Quaquá (PT-RJ) admite, é “quebrar o monopólio” das empresas que detêm o serviço há pelo menos 25 anos na cidade.
Primeiro município brasileiro com mais de 100 mil habitantes a oferecer ônibus gratuito, Maricá é palco de uma verdadeira queda de braço entre o poder público e os empresários de transporte. Isso porque a implantação da tarifa zero se deu ao mesmo tempo em que as duas empresas privadas de transportes da cidade continuam tendo concessão para operar com cobrança de passagem. Por isso, desde o fim do ano passado, os usuários têm à disposição tanto os ônibus que cobram tarifa, com valor mínimo de 2,70 reais, quanto os gratuitos, da Prefeitura de Maricá, sendo que ambos fazem trajetos semelhantes.
“Nós estamos quebrando um monopólio de uma família sobre um setor econômico da cidade”, afirma o prefeito ao citar a maior empresa da região, a Viação Nossa Senhora do Amparo, que há mais de 40 anos controla tanto o transporte municipal quanto o intermunicipal. A outra empresa é a Costa Leste que, apesar de menor, já possui concessão há 25 anos. Quaquá não esconde que a sua briga é mesmo com a Viação Amparo. “Eles eram os donos da cidade. Quando eu saí de uma favela de Niterói com nove anos de idade e vim morar aqui, eles eram os coronéis. Mandavam, desmandavam, matavam, só não faziam viver”, acusa o petista. “Eles financiaram meus adversários. Então, a primeira vez que um prefeito rompeu com o monopólio deles foi quando ganhei a eleição. (...) Já era para eles”, diz sem hesitar.
No cargo desde 2008, Quaquá é um dos fundadores do PT na cidade e o atual presidente estadual do partido no Rio de Janeiro. Conhecido por ser de uma corrente mais à esquerda, Quaquá fez parte da sua campanha eleitoral focando na disputa com os empresários do transporte. “Maricá é bonita demais para ser controlada por uma empresa de ônibus”, dizia o slogan político. “Essa Constituição estabelece que transporte é serviço público que pode, pode [repete] ser concedido.  A lógica de Maricá é a seguinte: o serviço será público e gratuito”, garante.
Após conquistar a reeleição, Quaquá colocou a proposta em prática. Impossibilitado de romper os contratos de concessão com as duas empresas de transporte da cidade, já que ambos foram renovados em 2005, com duração até 2020, o prefeito começou os estudos para criar uma empresa com tarifa popular. O objetivo era iniciar a operação com passagem em torno de dois reais para, progressivamente, reduzir até a tarifa zero. Mas a ideia esbarrou em entraves jurídicos. A solução foi fundar uma autarquia municipal e implantar a tarifa zero desde o início.
De onde vem o dinheiro?
Depois da criação da autarquia, a prefeitura investiu aproximadamente 5 milhões de reais, comprou dez ônibus e contratou 29 motoristas por meio de concurso público, em caráter temporário, por 12 meses. No total, a EPT já tem 90 funcionários, que trabalham exclusivamente para o funcionamento das quatro linhas de ônibus. Os veículos atendem do bairro Recanto à Ponta Negra, nas extremidades do município, 24 horas por dia e nos finais de semana. Todos os veículos comprados pela cidade têm ar condicionado e elevador para deficientes físicos nas portas.
“Nós vamos comprar mais 20 ônibus, provavelmente ônibus elétricos, sem emissão de carbono, que funcione a energia solar”, explica Quaquá. Os recursos para manter todo esse sistema são provenientes da verba que o município tem direito em função dos royalties do petróleo. No ano passado, por exemplo, Maricá recebeu repasses que totalizaram 220 milhões de reais, segundo o Portal da Transparência da cidade. 
Em um mês de funcionamento, com os dez ônibus, a operação custou aproximadamente 700 mil reais, mas a ideia é que o gasto suba para 1,5 milhão de reais por mês, quando a empresa tiver capacidade de concorrer com as empresas privadas. Isso porque o objetivo é que Maricá tenha autonomia para garantir o transporte dos moradores independentemente de concessão.
O plano de Quaquá provocou uma reação imediata dos empresários. Menos de dez dias depois de os ônibus começarem a circular pelas ruas de Maricá, as empresas deram entrada em uma liminar na 5ª Vara Civil da Comarca de São Gonçalo para impedir o funcionamento da Empresa Pública de Transportes (EPT). O pedido não foi aceito pela Justiça.
Os empresários reclamam pois a prefeitura não paga o subsídio previsto em contrato desde que Quaquá assumiu o cargo, há sete anos. Pelo documento, as empresas Costa Leste e Viação Amparo devem receber da Prefeitura de Maricá o valor da passagem de cada usuário com direito à gratuidade (estimado em 120 mil pela Costa Leste), como idosos e estudantes de escola pública. “Não pago nada”, diz o petista. “Esses dias eu vi que eles estão cobrando na Justiça 13 milhões de reais. Você imagina: com esse dinheiro eu garanto dois anos de empresa gratuita para todos. Eles estão acostumados com poder público que não controla, não fiscaliza. Agora nós temos a planilha e estamos abrindo a planilha”, enfatiza.
Ônibus gratuito
Em guerra declarada, Maricá usa ônibus gratuito (vermelho) contra empresas de ônibus, que cobram 2,70 reais de tarifa (Foto: Adriano Marçal)
Além da guerra judicial, o prefeito ainda aprovou no ano passado uma lei que mudava o nome da rodoviária da cidade. Até então, o local era conhecido como Terminal Rodoviário Jacintho Luiz Caetano, em referência justamente ao nome do fundador da Viação Amparo. Quaquá renomeou o local para “Terminal Rodoviário do Povo de Maricá". O busto de Caetano que ficava na entrada do terminal ainda foi removido e devolvido para a família. 
A opinião da população
CartaCapital acompanhou por dois dias o funcionamento e a circulação dos ônibus gratuitos da cidade. Apesar de ter anunciado ônibus de 20 em 20 minutos, os dez veículos da Prefeitura de Maricá que estão em circulação ainda não conseguem cumprir a mesma pontualidade das empresas privadas, todos os dias. Quando alguns motoristas estão de folga, o tempo de espera pode levar de 40 minutos a uma hora.
“Gratuito é bom para o povo, né. Acho que tinha que ter mais [ônibus]. Por um lado é gratuito, mas, por outro, a gente tem que ficar esperando meia hora, 40 minutos”, alerta o segurança Diego Silva, de 27 anos.
A explicação, segundo o presidente da EPT, Luiz Carlos dos Santos, é o tamanho da cidade. Apesar de ter aproximadamente 127 mil habitantes, Maricá tem uma extensão de 363 quilômetros quadrados. O município é maior, por exemplo, do que cidades como Guarulhos, na região metropolitana de São Paulo, com uma população de mais de 1,2 milhão de pessoas. E o dobro do tamanho da vizinha Niterói (RJ), que tem quase 500 mil habitantes. Por conta disso, os ônibus gastam aproximadamente 1h30 para fazer todo o percurso e voltar para a rodoviária da cidade. Segundo Santos, a tendência é que a circulação se normalize com a chegada dos novos ônibus.
Mas, mesmo com a demora em alguns dias da semana, os usuários fazem fila para esperar o “Vermelhinho”, como já ficou conhecido o ônibus gratuito em função de sua cor (os ônibus da Costa Leste e da Viação Amparo são pintados em tons de azul). Na última terça-feira 27, por exemplo, a reportagem contou 27 pessoas à espera de uma linha sentido Ponta Negra, a área turística da cidade, e outras 21 pessoas na fila para embarcar para o bairro de Itaipuaçu, por volta das 15h, na rodoviária. No mesmo horário, o ônibus da Costa Leste que faz trajeto parecido e cobra 2,70 reais aguardava vazio o embarque de passageiros. A Costa Leste admitiu que a medida vem tendo “grande impacto” no número de usuários do sistema, mas não deu mais informações. A Viação Amparo não retornou os pedidos de entrevista da reportagem.
Fila do ônibus gratuito
Enquanto usuários fazem fila para usar o ônibus gratuito (vermelho), veículo da empresa Costa Leste (azul) aguarda por passageiros na rodoviária (Foto: Renan Truffi)
“Para a gente foi muito útil, as passagens aqui em Maricá são muito caras. Para um trecho curtinho, você já paga três reais para ir e três reais para voltar. Por exemplo, um casal e duas crianças, você já vai pagar um preço absurdo. Tem família aqui que não conseguia ir à praia porque não tinha condições de pagar um ônibus. Com esse dinheiro já dá para comprar um pão, ou um leite para as crianças”, conta a dona de casa Marilza Marques, de 63 anos, durante uma das viagens.
Desde que começou a operar, em pouco mais de um mês, os ônibus gratuitos já transportaram mais de 200 mil passageiros. A Prefeitura de Maricá estima que já esteja atendendo 70% da população. A gratuidade fez até com que moradores de cidades vizinhas pudessem começar a frequentar as praias de Maricá. “Onde a gente mora é supertranquilo. Agora começou a vir um povo de São Gonçalo para as praias. Eles não consomem nada. O pessoal do quiosque reclama também”, critica uma professora que não quis se identificar, enquanto espera o ônibus gratuito.
A Prefeitura espera ainda que o dinheiro, antes aplicado na passagem, comece a ser injetado no comércio da região. Como o ônibus funciona também de madrugada, as lojas próximas à rodoviária passaram a estender o horário de atendimento. “É um retorno que a prefeitura vem dando para o povo. O povo não ganha nunca nada. Agora tem ar condicionado, serviço de qualidade”, conta o empresário Luiz Carlos Souza. “Eu estou economizando esse dinheiro para fazer um sacolão”.
Fonte: http://www.cartacapital.com.br/sociedade/marica-a-cidade-do-passe-livre-4100.html 

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

POR QUE EU NÃO SOU CHARLIE! (Je ne suis pas Charlie)

Nada justifica o massacre na redação do jornal Charlie Hebdo, mas algumas generalizações e relativizações na cabeça da sociedade são tão perigosas quanto kalashnikovs na mão de fundamentalistas.

O caso Charlie Hebdo levantou grandes discussões. Há políticos, instituições, governos, jornalistas e comentaristas de Facebook de todas as estirpes falando sobre o assunto em tribunas, periódicos e mesas de bar. Todos são unânimes em condenar a brutalidade dos ataques, porém as divergências de opinião são maiores do que as concordâncias.

Enquanto muitos discursos falam sobre o perigo da amplificação do ódio contra comunidades muçulmanas na França e ao redor do mundo, não faltam aqueles que de pronto condenem a “selvageria e brutalidade” da religião islâmica e dos povos árabes, engrossando as fileiras de fundamentalistas nacionalistas que organizam marchas xenófobas contra a “islamização da Europa”, a favor das intervenções militares criminosas dos estados ricos do Ocidente nos países do Oriente Médio e África e respaldando o racismo que tornou possível e aceitável a longa série de políticas coloniais e práticas exploratórias que sustentaram a economia e poder da França desde que esta se tornou um Estado-Nação.

Entretanto, não quero falar agora sobre as divergências de opinião, e sim sobre o consenso, expresso no slogan “Je suis Charlie” (“Eu sou Charlie”), que inundou as redes sociais e capas de jornais ao redor do planeta. O slogan é atrelado à ideia de que o que ocorreu ontem na França implica um atentado contra a liberdade de imprensa e valores democráticos ocidentais; implica dizer que toda imprensa é livre pra publicar irresponsavelmente qualquer conteúdo; implica dizer que o direito de zombar de uma religião é o mesmo que lutar pelo estado laico; e implica, principalmente, que o ataque foi simplesmente resultado do extremismo (ou da falta de senso de humor) religioso diante de uma critica “ácida e sagaz”, excetuando-se todo o contexto de marginalização e discriminação da comunidade muçulmana na França. Principalmente, implica ignorar à que se propõe e quais os efeitos dessas charges no contexto político-ideológico de um país com níveis alarmantes de racismo.

O argumento mais comum que encontrei nas redes sociais e comentários de jornais on-line é o de que o Charlie Hebdo fazia charges ofensivas sobre todas as religiões, e que, portanto, se cristãos conseguem ver charges com Jesus e levar como uma piada, então, muçulmanos também deveriam. Esse é um argumento raso, porque coloca no mesmo patamar a situação das comunidades muçulmanas e das comunidades cristãs na Europa, ao mesmo tempo que reforça a ideia de superioridade ocidental racionalista. É o mesmo simplismo de quem diz que chamar um branco de “palmito” tem o mesmo peso de chamar um negro de “macaco”. Não é só uma piada.

A quem serve a islamofobia?

No dia anterior ao massacre de Charlie Hebdo aconteceram duas marchas na Alemanha: uma pela expulsão de árabes e muçulmanos do país e outra contra o discurso xenófobo da direita ultranacionalista alemã. Esse tipo de manifestações populares contra minorias étnicas fica cada dia mais comum em toda a Europa, e a França, sempre avant-garde, é um dos maiores focos de marchas e movimentos racistas, machistas e xenófobos na Europa.

Na França a “Questão Muçulmana” é uma obsessão prioritária dos grupos de direita. O jornalista Edwy Planel, autor do livro “Pelos Muçulmanos” (título dado em alusão ao artigo “Pelos Judeus”, escrito por Emile Zola sobre o caso Dreyfus) aponta os ataques à comunidade muçulmana como sendo a principal plataforma de discurso eleitoral na França de hoje.

Nicolas Sarkozy é um exemplo claro da presença do discurso racista na política francesa. Podemos citar seu discurso na Universidade de Dakar, em julho de 2007, quando disse:

“O drama da África é que o homem africano não entrou totalmente na história. O camponês africano, que desde milhares de anos vive conforme as estações, cujo ideal de vida é estar em harmonia com a natureza, só conhece o eterno recomeço do tempo ritmado pela repetição sem fim dos mesmos gestos e das mesmas palavras. Nesse imaginário onde tudo recomeça sempre, não há lugar nem para a aventura humana, nem para a ideia de progresso. Nesse universo onde a natureza comanda tudo, o homem escapa à inquietude da história que inquieta o homem moderno. Mas o homem permanece imóvel no meio de uma ordem imutável, onde tudo parece ser escrito antes. Nunca ele se lança em direção ao futuro. Nunca não lhe vem à ideia de sair da repetição para se inventar um destino”.

Vamos lembrar que quando fala do “homem africano” (como se todos os povos de África fossem um único grupo homogêneo) Sarkozy alude especialmente à população muçulmana, uma vez que a França invadiu e colonizou a Argélia e o Marrocos, de onde vêm a maior parte dos imigrantes islâmicos da França.

Atualmente vem ganhando muito espaço ideológico o partido de extrema direita Frente Nacional, cuja principal voz é Marine Le Pen, famosa pelo discurso islamofóbico e pelas políticas anti-imigração. Le Pen, forte candidata para as próximas eleições presidenciais, declarou hoje, no embalo do ataque de ontem, que “a França está sendo atacada”, e aproveitou para reforçar sua proposta de instaurar a pena de morte no país.

O professor Reginaldo Nasser aponta, em artigo publicado ontem, pra o perigo do uso do caso Charlie para fortalecer as políticas ultranacionalistas francesas: “Há de fato uma situação conturbada na França e que vai piorar a partir de agora, os preconceitos com os imigrantes podem aumentar e reforçar um sentimento nacionalista. Le Pen é a representante de um pensamento xenófobo no país. Mas temos que esperar ainda pra ver quais serão dos desdobramentos quando se descobrir os culpados”.

Portanto, a mobilização massiva criada em torno do slogan "Je suis Charlie", se for ausente de uma crítica séria sobre a situação dos muçulmanos na Europa e as razões da islamofobia na França, tende a ser apenas combustível para a xenofobia e os partidos ultraconservadores.
A quem serve a liberdade de expressão?

Aqueles que ostentam orgulhosos o slogan “Eu sou Charlie” se dizem advogar pela liberdade de expressão, porém não questionam o que significa essa liberdade de expressão, tampouco quem tem direito a essa liberdade. Ninguém se preocupa com a censura à liberdade de expressão religiosa islâmica na França.

Em 1989, o jornal Le Nouvel Observateur publicou uma capa contra o uso do hijab, o véu muçulmano, nas escolas. Isso levou a uma discussão que culminou na lei de 2004 proibindo que meninas islâmicas usando lenços frequentassem as aulas, e desde 2011 há uma circular do Ministério da Educação recomendando que se impeça a presença de mães usando hijabs na área em torno dos colégios. Nunca houve proibição do uso de crucifixos ou camisas com slogans cristãos. A esquerda francesa (e a maior parte da esquerda ocidental) se mostrou favorável a esta lei ou, na melhor das hipóteses, silenciou sobre ela, sob o pretexto da defesa do Estado Laico. Esquecem-se que o laicismo serve para preservar o direito à liberdade de exercício de pensamento religioso ou à liberdade de não exercer nenhuma crença religiosa. E esquecem-se de que o islã não é apenas uma crença religiosa, mas também um referencial de identidade de toda uma comunidade historicamente oprimida, remetendo à questões religiosas, culturais, étnicas e políticas.

Proibir a expressão de sua religião é censura. Proibir a expressão de sua identidade cultural é eugenia. Imaginem, por exemplo, uma lei brasileira proibindo o uso de turbantes e símbolos da Umbanda e Candomblé em áreas públicas. Seria uma conquista do estado laico ou (mais) um ataque às crenças afro-brasileiras?
Na esteira das liberdades de expressão negadas pelo governo francês intrinsecamente conectadas ao Islã está a abominação legislativa sancionada no ano passado, quando a França tornou-se o primeiro país do mundo a proibir manifestações de apoio à Palestina, durante os bombardeios israelenses à Faixa de Gaza, que assassinaram 1.951 pessoas e feriram 10.193 civis. Qualquer pessoa que participasse de um protesto contra os crimes de guerra de Israel, práticas de Terrorismo de Estado respaldadas ideologicamente por políticos e formadores de opinião entre a população israelense através de fundamentalismo nacionalista e argumentos de fundamentalismo religioso judaico e islamofobia, seria preso por um ano ou pagaria multa de 15 mil euros. Se o manifestante cobrisse o rosto durante o protesto, a pena subia pra três anos de detenção.

Cabe ressaltar aqui que não sei qual foi o posicionamento do jornal Charlie Hebdo sobre esse caso em particular, mas certamente a comunidade internacional não se manifestou tão passionalmente sobre o direito dos franceses à liberdade de expressar apoio aos palestinos.

Então, cabe a pergunta:

A quem faz rir o humor de Charlie Hebdo?

Não existe piada sem um alvo, e o senso de humor tem poder político por natureza. Piadas podem ser um meio de contestação ou de sedimentação do senso comum, do status quo dominante. Quando um humorista faz uma piada racista, está endossando o racismo de quem ri, criando no riso um lugar seguro pra que os estereótipos racistas cresçam, legitimando ignorância e raiva, disfarçados de senso de humor. As pessoas formam suas concepções de mundo, de certo e errado, de verdade e justiça, muito mais através de piadas e slogans simplistas do que de resoluções da ONU e tratados de sociologia.

Lembro-me que, quando era criança, meu pai comprava livros de piadas em bancas de jornal e passava o dia atormentando minha mãe com piadas machistas sobre loiras burras e mulheres caricaturadas da pior forma possível. Eram sessões ininterruptas de ofensas, mas que ela ouvia com um sorriso amarelo, uma vez que “era só piada”. Da mesma forma, ele contava as piadas mais ofensivas possíveis sobre negros, sempre respaldadas pelo fato de que “não era o que ele pensava”, e sim “só o que estava escrito nos livros de piada”. Foram anos desse tipo de piada “inocente”, até o dia em que, sem tom de piada ou riso suave, ele me proibiu de namorar mulheres negras.

É muito comum que se veja, no Brasil, “humoristas” como Danilo Gentili e Rafinha Bastos, vindos de uma mesma escola de racismo, machismo e homofobia que geraram o riso bobo de Costinha e Renato Aragão, defenderem seu direito de ser promover discurso de ódio como se isso fosse “liberdade de expressão”. E, mais triste ainda, é muito comum ver a população brasileira defendendo essa “liberdade” de humilhar, ofender e sedimentar preconceitos contra minorias, sob o rótulo falsamente liberal (e bastante estúpido) de “politicamente incorreto”. Muitas vezes eles dizem que estão fazendo humor político, “expondo o racismo” ao fazer piadas racistas. Esse é um argumento preguiçoso e altamente hipócrita pra manter seu direito de ser um racista alegre e ainda posar de Voltaire do Facebook.

O humor das charges do jornal Charlie Hebdo está na mesma esteira de qualquer senso de humor racista. Os defensores do “Je suis Charlie” não cansam de dizer que são a revista é o Pasquim Francês. Dizem que as caricaturas são ácidas e corajosas, atacando todas as religiões e expondo a homofobia e o fundamentalismo do islã. Porém, o que as caricaturas de Mohammad fazem é respaldar o ódio e a ignorância sobre o islã, as comunidades muçulmanas francesas e os povos árabes.

Na caricatura em que o profeta Mohammad aparece beijando um cartunista branco não há contestação nem levantamento de discussão. Não é um canal de diálogo com as comunidades muçulmanas para contestar as posturas homofóbicas da religião e de suas muitas multiculturais comunidades ao redor do mundo. É apenas um desenho de um homem branco europeu beijando o símbolo máximo de uma religião pertencente a outro povo. Não é assim que se levanta um debate, não é assim que se dialoga e não é assim que se contesta. Tudo o que a caricatura faz é zombar do Islã (cuja crença considera ofensivo representar graficamente seu profeta), cortar os possíveis canais de discussão com a comunidade que criticam e aumentar os preconceitos dos franceses islamofóbicos, que assim se sentem superiores aos seus vizinhos islâmicos. Não é um discurso que contesta a homofobia das comunidades islâmicas, e sim uma agressão que contesta a legitimidade de uma comunidade marginalizada e que não dá voz essa comunidade. Esse tipo de agressão só torna mais difícil que a sociedade em geral ouça aos muçulmanos que buscam combater o discurso conservador dentro da sua religião a despeito de professarem sua fé.
Em outra caricatura, um muçulmano segura um Corão enquanto balas atravessam o livro e o seu corpo. A legenda diz “O Corão é uma merda”. Isso não levanta debate nenhum, apenas diz “sua religião é uma merda”, o que implica dizer, no caso, “sua sociedade muçulmana, sua história muçulmana, seus parentes e crenças muçulmanas, são uma merda”.


As caricaturas da Hebdo retratam muçulmanos como sendo terroristas, estúpidos e perigosos. As pessoas se acostumam a pensar nessas imagens quando pensam em muçulmanos, e isso gera medo, ódio, deboche e xenofobia. Eu, enquanto estudante de língua árabe, perdi a conta de quantas vezes ouvi tanto piadas imbecis quanto preocupações sérias de meus amigos que pensavam que eu vivia uma terra de selvagens e fundamentalistas perigosos.

Esse tipo de humor raso e infantil não é razão para que se assassinem seus perpetradores. Eu não defenderia que militantes feministas armadas invadissem o Comedians e assassinassem Rafinha Bastos. Ainda assim, elas têm todo o direito de se sentir ultrajadas, agredidas e ofendidas quando ele usa seu poder de discurso para convencer sua plateia de que mulheres feias devem ser estupradas e ficar agradecidas pela “caridade”. Mais importante, é preciso ter em mente que, sendo elas o grupo diretamente atingido pelas piadas infelizes dele, é a elas que a sociedade deve ouvir. Não me cabe o direito de julgar se uma mulher pode ou não se sentir ofendida com uma piada machista, e não me cabe dizer se um muçulmano deve se sentir ultrajado por uma piada islamofóbica, porque existe todo um contexto social por trás dessas piadas que eu não compreendo e do qual eu não sou a vítima.

Acreditar que as reações de muçulmanos às caricaturas são simples extremismo é dizer que “é só uma piada”. Não é. A reação tem a ver com todo o contexto de discriminação social e econômica, às humilhações diárias que essa população sofre nos países europeus, à invisibilidade de sua identidade, ao histórico colonial e também com as atuais politicas intervencionistas dos países ocidentais no Oriente Médio e África, que se negam a ouvir as vozes árabes e africanas enquanto financiam grupos extremistas e assassinam populações civis com drones e “democracias”.

Um relatório do Observatório Europeu do racismo e xenofobia aponta que, na França, a chance de alguém de origem árabe/muçulmana conseguir um emprego é cinco vezes menor do que um caucasiano com as mesmas qualificações. Além disso, eles possuem menos acesso à educação formal, vivem nas áreas mais sucateadas das cidades e estão sujeitos a todo tipo de descriminação e violência física. O relatório aponta o sentimento de desespero e exclusão social do jovem muçulmano, que vê sua possibilidade de progressão social dificultada por racismo e pela xenofobia.

O massacre que ocorreu na quarta-feira foi um crime horrível de terror e silenciamento, cometido por alguém que não sabemos ainda quem é (e nada impede que seja uma operação de false flag) nem com qual intenção. Um crime horrível e abominável, como foram horríveis e abomináveis os crimes de terror e silenciamento promovidos pelo Mossad quando assassinou o cartunista Naji Al-Ali, ou quando Bashar Al-Assad mandou quebrar as mãos do cartunista Ali Ferzat, ou todos os dias quando a polícia militar de Geraldo Alckmin, aterroriza e assassina os jovens que imprimem sua crítica e revolta com latas de spray nas paredes da minha cidade. Todos são crimes horríveis de silenciamento, e todos devem ser condenados, mas cada um tem suas particularidades, razões e contextos próprios e únicos, e não podemos cair no erro de diluir nossa crítica no simplismo maniqueísta, ou corremos o risco de que a voz que queremos dar à democracia seja um megafone para os absurdos da teoria de "choque de civilizações" de Huntington.

Por tudo isso, eu não sou Charlie.

(*) Plínio Zúnica é estudante de Língua e Literatura Árabe da Universidade de São Paulo. Esteve duas vezes nos Territórios Ocupados da Palestina, onde trabalhou como corrdenador da Educacional Network for Human Rights in Palestine/Israel. Atualmente vive no Cairo. Texto originalmente publicado no blog Descolonizações.

Fonte: http://www.brasil247.com/pt/247/mundo/166161/Porque-eu-não-sou-charlie.htm