A usina de Belo Monte, ao secar a
Volta Grande do rio Xingu, expõe ao sol da opinião pública algo mais que o limo
das pedras. A empresa canadense Belo Sun Mining, do grupo Forbes &
Manhattan, pretende fazer ali o "maior programa de exploração de ouro do
Brasil", investindo mais de US$ 1 bilhão para extrair quase cinco
toneladas por ano do precioso metal.
Já no Relatório de Impacto Ambiental
da usina constava o interesse de 18 empresas em pesquisa e exploração mineral
na área, mas o Ibama achou esse dado irrelevante.
O licenciamento da mineração está
sendo feito pelo governo do Pará. Tudo indica que o conhecimento do potencial
mineral só é segredo para a população, os "investidores" têm o mapa
da mina há tempos.
O Brasil vive uma nova "corrida
do ouro", silenciosa e oculta da opinião pública, mas intensa ao ponto de
fazer a atividade mineradora saltar de modestos 1,6% para expressivos 4,1% do
PIB em só dez anos.
Nem é preciso dizer que esse aumento,
embora inserido na ascensão brasileira na economia mundial, é continuidade da
velha condição de colônia: as riquezas do subsolo brasileiro destinam-se, em
sua quase totalidade, ao comércio exterior. As "veias abertas da América
Latina" (feliz e triste expressão de Galeano) continuam sangrando.
Por trás dos grandes negócios e
notórias fortunas, sempre financiadas e facilitadas pelo Estado, oculta-se um
submundo de devastação ambiental e violência contra populações tradicionais.
O Congresso Nacional avoca para si o
poder de demarcar terras indígenas e nelas licenciar atividades econômicas,
enquanto discute um novo Código Mineral e a criação de uma agência para o setor.
Enquanto isso, pedidos de licenças
para pesquisa e exploração continuam a ser concedidas aos que chegarem, em
processo pouco transparente.
No Congresso, debate-se mudanças na
lei para dificultar a demarcação de novas áreas de proteção (reservas, parques,
quilombos, terras indígenas), diminuir o tamanho das já demarcadas e licenciar
a exploração de suas riquezas. Na forma como são feitas, as mudanças atendem à
demanda de grupos econômicos alheios aos interesses da sociedade e do país.
O governo entra com a negociação no
varejo da política e as justificativas publicitárias do "interesse
nacional" e da "inclusão social". À sociedade falta o que poucos
detêm: informações profundas que possibilitam definições estratégicas que
atendam a interesses mais amplos.
Na vida pública brasileira, o debate
superficial das questões mais importantes se assemelha à infantilização
promovida pelos candidatos que se oferecem para cuidar do povo. A conversa dos
adultos, entretanto, é feita às escondidas. Até quando?
Texto: Marina da Silva
O rio Xingu vai
deixar de ser palco exclusivo de Belo Monte, a polêmica
geradora de energia em construção no Pará. Em uma região conhecida como Volta Grande do Xingu, na mesma área onde está
sendo erguida a maior hidrelétrica do país, avança discretamente um megaprojeto
de exploração de ouro. O plano da mineradora já está em uma etapa adiantada de
licenciamento ambiental e será executado pela empresa canadense Belo Sun Mining, companhia sediada em Toronto que pretende transformar o Xingu no
"maior programa de exploração de ouro do Brasil".
A reportagem é de André Borges e
publicada pelo jornal Valor,
17-09-2012.
O projeto é ambicioso. A Belo Sun, que
pertence ao grupo canadense Forbes & Manhattan Inc.,
um banco de capital fechado que desenvolve projetos internacionais de
mineração, pretende investir US$ 1,076 bilhão na extração e beneficiamento de
ouro. O volume do metal já estimado explica o motivo do aporte bilionário e a
disposição dos empresários em levar adiante um projeto que tem tudo para
ampliar as polêmicas socioambientais na região. A produção média prevista para
a planta de beneficiamento, segundo o relatório de impacto ambiental da Belo Sun, é de 4.684 quilos de ouro por ano. Isso
significa um faturamento anual de R$ 538,6 milhões, conforme cotação atual do
metal feita pela BM & FBovespa.
A lavra do ouro nas margens do Xingu será
feita a céu aberto, porque "se trata de uma jazida próxima à superfície,
com condições geológicas favoráveis". Segundo o relatório ambiental da Belo Sun, chegou a ser verificada a alternativa de
fazer também uma lavra subterrânea, mas "esta foi descartada devido,
principalmente, aos custos associados."
Para tirar ouro do Xingu, a
empresa vai revirar 37,80 milhões de toneladas de minério tratado nos 11
primeiros anos de exploração da mina. As previsões, no entanto, são de que a
exploração avance por até 20 anos. Pelos cálculos daBelo Sun,
haverá aproximadamente 2.100 empregados próprios e terceirizados no pico das
obras.
O calendário da exploração já está detalhado. Na semana passada,
foi realizada a primeira audiência pública sobre o projeto no município de Senador José Porfírio, onde será explorada a
jazida. Uma segunda e última audiência está marcada para o dia 25 de outubro.
Todo processo de licenciamento ambiental está sendo conduzido pela Secretaria
de Meio Ambiente do Pará. O cronograma da Belo Sun prevê
a obtenção da licença prévia do empreendimento até o fim deste ano. A licença
de instalação, que permite o avanço inicial da obra, é aguardada para o
primeiro semestre do ano que vem, com início do empreendimento a partir de
junho de 2013. A exploração efetiva do ouro começaria no primeiro trimestre de
2015, quando sai a licença de operação.
Todas informações foram confirmadas pelo vice-presidente de
exploração da Belo Sun no Brasil, Hélio Diniz, que fica baseado em Minas Gerais. Em
entrevista ao Valor, Diniz disse
que o "Projeto Volta Grande" é o primeiro
empreendimento da companhia canadense no Brasil e que a sua execução não tem
nenhum tipo de ligação com a construção da hidrelétrica de Belo Monte ou
com sócios da usina.
"Somos uma operação independente, sem qualquer tipo de
ligação com a hidrelétrica. Nosso negócio é a mineração do ouro e trabalhamos
exclusivamente nesse projeto", disse Diniz.
O "plano de aproveitamento econômico" da mina, segundo
o executivo, ficará pronto daqui a seis meses. Nos próximos dias, a Belo Sun abrirá escritórios em Belém e em
Altamira. Hélio Diniz disse que, atualmente, há cerca
de 150 funcionários da empresa espalhados na Volta Grande do Xingu,
região que é cortada pelos municípios de Senador José Porfírio, Vitória do
Xingu e Altamira.
O local previsto para receber a mina está localizado na margem
direita do rio, poucos quilômetros abaixo do ponto onde será erguida a barragem
da hidrelétrica de Belo Monte, no sítio Pimental. A
exploração da jazida, segundo Diniz, não
avançará sobre o leito do rio. "A mina fica próxima do Xingu, mas não há
nenhuma ação direta no rio."
Para financiar seu projeto, os canadenses pretendem captar
recursos financeiros no Brasil. De acordo com o vice-presidente de exploração
da Belo Sun, será analisada a possibilidade de obter
financiamento no BNDES. "Podemos ainda analisar a alternativa de abrir o
capital da empresa na Bovespa. São ações que serão devidamente estudadas por
nós."
Segundo a Belo Sun, o
futuro reservado para a região da mina, quando a exploração de ouro for
finalmente desativada, será o aproveitamento do projeto focado no "turismo
alternativo", apoiado por um "programa de reabilitação e
revegetação". Na audiência pública realizada na semana passada, onde
compareceram cerca de 300 pessoas, a empresa informou que haverá realocação de
pessoas da área afetada pelo empreendimento e que a construção de casas será
financiada pela Caixa Econômica Federal.
A Belo Sun listou 21 programas socioambientais
para mitigar os impactos que serão causados à região e à vida da população.